Meio seio


Hoje ao ler O Seio, do Roth, acabei por lembrar de outro seio, do Rubem Fonseca. Aos poucos aquele encontro inesperado que tivemos foi se construindo em minha memória. Visitar sua cidade, naqueles primeiros anos depois da graduação, eram sempre cheios de expectativas vazias. Os desencontros eram sempre presentes. Bárbara, Irene, Ana de Amsterdam. Não lembro qual o nome da sua namorada naquele tempo. Eu não fazia questão de lembrar. Às vezes eu tinha impressão que você se aborrecia quando eu a chamava por qualquer nome. Eu sentia ciúmes, mas aquele jogo eu já havia perdido todas as rodadas. Até hoje não sei o que te faz manter contato comigo.
Nunca pensei ter sido obra do Acaso de Vila-Matas você ter aparecido na minha primeira aula como professora de literatura. Quase perdi a fala. Quase perdi o jeito. E quase te perdia de vista. De longe você parecia realmente interessado no que eu tinha para dizer sobre minhas análises acerca das letras de Caetano Veloso e a Revolução Democrática no Haiti. Mas esse era você. Sempre interessado nas falas, no pensamento. As ações eram bônus. Mas essa era minha análise sobre você.
Os alunos daquela turma presenciaram, talvez, a minha melhor aula. Eu queria me exibir pra você. Mas você não me dava nenhuma prova. Nenhum sorriso de canto. Nenhuma pergunta sacana.
Apenas um "vamos tomar um café?" ao fim da aula e um Domingo Molina que eu beberia sozinha na cama. Peguei Rubem Fonseca e li um trecho do conto em que descrevia o seio ideal pra ele. Tinha algo sobre não ser grande, nem vazar pelos lados das mãos. Um seio que cabia na mão de um homem. Pergunto qual seu tipo de seio ideal e sua resposta é a menos comum de todas: "O problema é que eu tenho as mãos grandes, ou seja...". Eu ri um pouco e olhei meus seios. Minha vida toda os achei pequenos, mas nunca pensei em fazer cirurgia como algumas amigas da graduação. Você percebendo meu silêncio continuou: "Mas já li isso em algum lugar. Acho que foi do Chico Buarque".
Você tinha mudado. Não apenas seu corpo, mas você também tinha. Aquela intimidade com nossos velhos artistas não existia mais. "Esse é do Rubem. Não lembro de Chico falando sobre seios, ele é muito recatado. Se esconde atrás de metáforas." falei e enchi meu copo novamente.
Quanto de mim havia mudado pra você? Isso importava? Não, nem um pouco. Pra você não era isso que importava. Ali não havia espaço para metafísica que eu deixava viver todos os outros dias de minha vida.
Você movia-se falando pausadamente, chegando aos poucos perto de mim. Colocando meu copo no chão e puxando-me novamente para a cama: "eu acho que o seio perfeito cabe na minha boca enquanto seguro ele com as mãos."

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1 Response to Meio seio

  1. Tem-se a mania de tentar qualificar tudo. Definir o que é o melhor, quando o que é o melhor, pode estar, como você mostrou, ao alcance de nossas mãos. Ou de outras mãos. Enfim ...

    Gostei muito dos textos!