"Tenho amigos religiosos"


photo: Nathy


"O apego contracultural à mudança constante
 é algumas vezes confundido com 
modismo ou com aceitação de qualquer mudança."
Contracultura Através dos Séculos - Dan Joy e Ken Goffman 



Somos contraculturalistas.
Foi assim que comecei uma conversa com o único propósito de dizer, ou de tentar justificar a minha preguiça em ter algum relacionamento. Este individualismo que tenho deixado aflorar de modo tão natural quanto acender um cigarro durante uma conversa sobre o documentário do Pink Floyd ou Ratos do Porão. Em dizer que as drogas, tatuagens e bebidas... toda essa agonia e cultura fazem parte de mim. Não somente de mim, mas de meus amigos. E é tudo isso que nos une. Tudo isso e muito mais coisas que nem sabemos, só sentimos. Assim como sentimos o rio passar por nós durante uma tarde qualquer de domingo. 
Criamos nossa própria vida acima de qualquer convenção social e restrições governamentais, desafiamos o autoritarismo nos mínimos detalhes, temos liberdade de comunicação e pregamos isso.
Vocês tem medo de sentir. Falar já os faz tremer, que dirá sentir. Fico pensando como seriam se tivessem lido Admirável Mundo Novo do Huxley, ou 1984 do Orwell. Exemplos básicos. Talvez não mudasse nada. Vocês tem medo de sentir seja lá o que for. Está confortável no seu sofá, senhor? Quer mais uma xícara de café sem cafeína? Há alguns Dramin's na segunda gaveta à sua direita. Sempre à sua direita.
Tudo hoje é voltado para ser saudável, mas o exagero está visível por todo o corpo de todos. Há a sede que nunca passa e a fome que não cessa. Não importa o que se coma. Poucos sabem como aplacar isso.
Não, eu não sei. Minha fome é outra e sei lidar com ela.
Tudo tem ocorrido de modo natural, ou pelo menos estou tão anestesiada que não percebo o que me ocorre ao redor. Apenas sinto. 
Sinto as tradições indo embora. Estão na estrada, cheias de poeira e sem fé alguma nos olhos. Vocês as alimentam de modo fraco e escasso. Sem vontade. Uma mera obrigação já memorizada pelo cérebro. 
Por outro lado, há os que seguem certo hedonismo hippie, mas sem ter consciência dos princípios filosóficos do movimento. Consomem as plantas sagradas e substâncias químicas sem ter ideia de segurança ou de como aplicar ao cotidiano. 
Não me cabe dizer se é o certo ou errado. Experimentem vocês. 
Temos dívidas a pagar, uma universidade pra concluir, tantas graduações quantas forem necessárias para agradar aos nossos pais. Eles só querem o melhor, mas nós sabemos o que é melhor pra nós. Porém poucos conseguem sair do comodismo. Vocês tem medo de sentir. Tem medo de se sentir vivos.
Não é qualquer mudança, muito menos modismo.

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4 Responses to "Tenho amigos religiosos"

  1. nas inúmeras vezes em que pensei com meus botões todos os pontos que nos ligam, todas as afinidades que convergem, todos os tiques e manias parecidas sempre cheguei a conclusão de que o que nos uniu, desde o início, foi nossa filosofia, nossa maneira de olhar o mundo.

    obrigada pela honra de ter uma foto minha por aqui, ahazei ;D

    te amo.

  2. Anônimo says:

    Como faz pra "Curtir?" Rs'
    Posso dizer que a carapuça serviu.

    -Seu amigo não tão extrovertido.

  3. Li e saiu isso aqui:

    Religião

    O exagero salubre
    A sede que não cessa
    Como se equilibrar na roda gigante
    Que a cada dia gira mais depressa
    Cago pra sua regra
    Tenho amigos religiosos, mas desdenhamos dessa reza

    Pois, já não importa o que se come
    Não é saudável sofrer e passar fome
    E se conter
    Morfina homeopática
    (dês)controle remoto na mão
    E a ilusão de viver se rastejando ao chão

    Não é qualquer mudança, muito menos modismo
    Não é ambição de alcançar o paraíso
    Não é drama, não é comédia da vida enlatada
    É apenas a verdade: indizível, aritmética e pasteurizada
    Temos medo de nos sentir vivos
    Temos medo de viver sem mesada

  4. 'Tudo tem ocorrido de modo natural, ou pelo menos estou tão anestesiada que não percebo o que me ocorre ao redor. Apenas sinto.'

    E às vezes dói!