Musa Híbrida


- Por que levantou tão cedo?
Lá estava você de camisola, parada na porta da cozinha com os olhinhos fechados tentando se proteger do sol que nascia e nos esquentava. Eu mal podia ver seus olhos que sob a luz do sol tinham cor de mel.
E la estava eu de pijamas, sentada no chão da varanda, com uma cerveja do lado e um cinzeiro do outro. Sentindo o sol na pele e respirando o ar fresco das serras.
- Minha sinusite atacou. Não quis te acordar.
- E beber cerveja e fumar a essa hora é o seu jeito de curar? Me dá isso pra cá, anda!
Não me mexi. Terminei o cigarro, saboreei a cerveja. A bem da verdade eu nem sabia por que resolvi fazer aquilo. Não consegui dormir nem um pouco. E havia outras garrafas de cerveja vazias que você encontraria depois. E ficaria mais brava ainda.
- O que ta acontecendo? Me fala. Suas olheiras te condenam.
Lá estava você, sentada ao meu lado. Falando e tirando o cigarro e a cerveja de perto de mim. Eu deixava você fazer tudo. Sempre deixei. E sempre me questionei se isso era realmente amar alguém.
Mas sabe, isso de saber se se ama alguém ou não varia muito. Porque sempre vai ser diferente. E com você todos os dias eram diferentes. Tudo o que eu queria. Mas ainda me faltava uma coisa, o essencial, que era você.
Mas ainda, além de tudo isso que construímos, havia o pertencer e não pertencer. Uma guerra - quase a nível mundial - dentro de mim entre falar que és minha e deixar-te livre com toda essa babaquice pós-modernista que às vezes defendo.
- Não é nada, tenho apenas que terminar aquele romance. A editora só deu mais um mês.
- Vai dar tudo certo. Não é assim que tu fala?
- Funciona apenas com os outros. Comigo, não.
- E o nosso "tudo"? Não está certo?
Eu odiava suas perguntas. Elas me jogavam contra a parede e sem rota alguma de fuga. Olhava para seus olhos, me vigiavam e buscavam o menor vestígio de alguma mentira. Algum vacilo, algum problema que eu quisesse esconder. Seus olhos eram capazes de ver tudo.
E os meus olhos eram capazes de olhar somente pra ti. Maldito (ou bendito?) dia que fostes sorrir para mim. E eu não fugi, até tentei, mas tentar era pior. Pois fiquei. Fiquei e finquei-me. Sempre ao teu redor, mendigando teu amor e nunca guerreando com teus outros amores. Eu não achava necessário. E nunca foi. Pois a por inimiga do nosso "tudo" era apenas eu mesma.
- Chega mais pertinho de mim, aí sim tudo vai dar certo.


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4 Responses to Musa Híbrida

  1. Flavs says:

    Sortuda é essa pessoa que tem o seu amor.

  2. Está lindo, mas está interminado.
    Queria saber o resto, porque tenho certeza que a cena continua em sua cabeça.

  3. Darlan says:

    Só se toma uma cerveja de um homem se há um boquete a oferecer, haha.

    (desculpa, todo mundo aqui é de maior, né?)

  4. Agora sim, completo e lindo :)