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Nós

Estava sentada no banco do parquinho quando a vi passar chorando. Não vi seu rosto, mas ouvi seu choro. Parecia ser desconsolável, mas eu sabia que com o tempo ele iria diminuir a um simples suspiro aqui e ali. O sol demorava a sair naquele dia. Parecia saber que seus raios não seriam capazes de aquecer o coração daquela menina.
Dei-lhe tempo para chorar o quanto quisesse. Sabia que em alguns minutos ela iria se comprometer em nunca mais chorar, pois aquilo lhe tornava uma fraca. E ser fraca era algo que ela não queria ser.
Mas eu sabia que essa promessa iria ser quebrada várias e várias vezes. Porque definitivamente não conheço ninguem que consiga cumprir uma promessa dessas.
Dei-lhe um pouco mais de tempo. Dei tempo a mim também. Nós duas tinhamos tantas questões que precisávamos responder sozinhas. Assim sendo, continuei olhando o sol aparecer timidamente, respeitando o luto da garotinha.
Eu ainda podia ouvir seus soluços descompassados. Logo mais era minha hora de agir.
Dei mais uma espiadela no sol. Ela já ia bem alto, seus raios me motivanto a prosseguir. Com poucos passos acabei com a distancia que havia entre nós. Ela já havia parado de chorar, mas seus olhos e narizes estavam vermelhos. Sentei ao seu lado e arranquei um pouquinho de grama para distrair minhas mãos enquanto pensava no que falar a ela.
Quando percebi que tinha todas as frases corretas para fazê-la levantar dali e voltar pra casa, vi que ela me imitava. Estavamos as duas com um punhado de grama nas mãos balançando para lá e pára cá. Então vi que nada do que dissesse seria util.
Continuamos brincando com a grama até que decidi falar:

- Você deveria voltar pra casa. Sua família deve estar preocupada.

Ela brincou mais um pouco com a grama, depois limpou as mãos no vestido amarelo sem importar-se com a sujeira que estava fazendo e respondeu-me:

- Devem estar preocupados sim, mas logo se ocupam com outra coisa. No final das contas, eles sabem que eu volto. Eu sempre volto.

Respirei fundo. Ela tinha razão. A vida naquela família era um corre-corre. Sobreviver naquele meio era algo que se aprendia cedo e sozinho.

- Não seja tão dura com você, está bem? A maioria dos problemas não ocorre por culpa sua.

- Mas a maioria das vezes eles acabam caindo nas suas mãos. - Ela me interrompeu continuando a frase que eu começara. - Você sempre fala a mesma coisa antes de ir embora.

Eu levantei, peguei sua pequenina mão esquerda e pus sobre a minha mão esquerda. No dedo indicador nós tinhamos o mesmo sinal. Uma pintinha pequena em forma de um coração de cabeça pra baixo.

- Pequenina, eu sempre falo a mesma coisa porque são os mesmos problemas. Um dia, você vai entender porque temos a mesma pintinha. Uma dia, você vai entender porque só me encontra aqui ao nascer do sol.

- Um dia, um dia, um dia!

Ela gritou e soltou minha mão.
Nós nunca gostamos de frases ao ar. Nunca gostamos de amendoim. Nunca gostamos de vestidos na cor amarelo. Nunca gostamos de tantos enfeites e nossas letras sempre vão ser horrorosas.
E nós nos prometemos nunca chorar, mas sempre falhamos nessa promessa.

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