Duas Almas Velhas

Na ultima terça-feira, resolvi de ultima hora ir a um clube do livro lá para as bandas do São Francisco. Pela primeira vez fui sem saber qual era o livro que estava sendo discutido. Era apenas o desejo de estar entre desconhecidos que tinham uma paixão em comum.

Acabei tendo a surpresa de encontrar uma amiga relapsa perdida por lá. Findado os comentários do livro – cuja autoria é de André Vianco e é somente isso que lembro -, esta amiga convidou-me para tomar um café e de pronto aceitei.

Eu e ela. Duas almas velhas. Era assim que gostávamos de nos rotular.

Desfrutamos nosso café amargo. Nos atualizamos sobre os últimos acontecimentos perante a ausência uma da outra. Sua sinceridade rasgada no peito, sem nunca motivar ou criticar algo de minha vida. E sempre perguntando porque não havia feito pior. Isso me agradava nela e me alegrava saber que ainda continuava assim.

Fui fraca, minutos depois joguei a bandeira do sentimentalismo dizendo que sentia sua falta. Ela riu de mim. Disse que eu não aparentava sentir sua falta, pois nunca ia visitá-la.

Fiquei em silêncio. Ela tinha razão. E para não brigar, eu ficava sempre em silêncio.

Ela deu um tapinha em minha mão e perguntou porque parei de atualizar o blog com contos e crônicas. Falei-lhe que estava em crise de criatividade. Ela riu novamente. E então fui franca: Eu estava evitando escrever porque havia um texto que eu não queria passar para o papel. Pois em minha cabeça, se escrevo o que penso, torno mais real ainda aquele pensamento.

Enquanto falava, ela ia abrindo folhas de guardanapo sobre a mesa e quando terminei ela ordenou:

Escreva o que está martelando sua cabeça. Isso não te permite escrever novos contos e muito menos ter uma conversa sensata contigo. Consigo sentir tua aflição gritando a dez metros daqui. E se queres ouvir de um modo mais romântico, teus olhos são para mim um poço de tristeza e teu sorriso soa mais verdadeiro quando estais ébria. Porque bem sabes que quando ébrias, temos a sorte de não lembrar de nada. Agora pois escreve esse maldito texto que te trava a cabeça e a língua! Eras-te!

Obedientemente escrevi o texto, sentindo a alma pesar a cada linha escrita, os olhos marejados, a boca apertada. Todos os sentidos lutando para manter o texto a salvo dentro de mim. Mas já não era possível. Lá estava ele diante de mim, mostrando-me com altivez que existia por vontade própria e que era uma verdade que eu não mais podia esconder.

Chorei em silêncio como da vez em que atravessava a imperceptível ponte do Córrego dos Corvos. Fora ali que o pensamento tomara forma e lá estava eu novamente em Mogi das Cruzes chorando, vendo as águas correrem despreocupadamente carregando restos de lixo aqui e ali.

Saí do barzinho, ter escrito o pensamento não tinha feito nenhum bem até o momento. Mas talvez eu estivesse apenas procurando um motivo para poder chorar por ele.

E da mesa do bar eu escutava o papel a falar: “Ignorada por quem julgavas ser a melhor amiga e ainda assim não se esforçou o bastante para saber os motivos.”

E a frase se repetia, se repetia, se repetia, se repetia...

Dessa vez não houve comentários por não ter feito pior. Ela me deu um abraço e uma garrafa de vinho vagabundo que comprara no barzinho. Nem fiz questão de perguntar o que ela fizera com os papéis rabiscados. Abrimos o vinho, ela chamou-me de estúpida chorona e fomos andando a procura de um ponto de ônibus mais próximo.




Dedico esse texto a(o) leitor(a) anônimo(a) do facebook mobile, a(o) leitor(a) do twitter mobile e a minha stalker. Há duas semanas que vocês alegram minha vida visitando meu blog todos os dias!


E agradeço imensamente pelo vinho, Penélope.

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4 Responses to Duas Almas Velhas

  1. Daniel Lira says:

    Adorei o texto. É temos disso em nós, queremos ser fortes, não pensar em certas coisas, mas esse passageiro obscuro de nossas almas nos acompanham como fantasmas, ou deuses da nossa morte, da morte do nosso espírito. O melhor é nos libertar desso, o choro não mostra fraqueza, mostra que estamos sendo fortes por bastante tempo.

  2. taí um texto que demorou para sair.

  3. Líh says:

    Agda belo texto confesso que viajei nele kk
    toda vez que leio algo consigo imaginar cada detalhe ali escrito e esse texto me levou alem...
    beijos flor e não pare de nos alegrar com seus textos maravilhosos..